quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

MUTIRÃO PELA VIDA, NOVO JEITO DE LER A BÍBLIA - 3

BÍBLIA: TODO UM MAR PARA SURFAR
É bom escutar e ver como as pessoas leem a Bíblia. Descobre-se tanta coisa bonita! Por isso a partir daqui convido você que está lendo estas páginas a partilhar a sua leitura e vivência da Palavra de Deus. Diga onde você encontra água para a sua sede, e o seu modo de atingi-la. Partilhe textos-manancial onde você frequenta com carinho e descobre neles vida, alegria e esperança.
Pode pensar que são pequenas coisas e que a ninguém interessa. Tente escrever dez ou quinze linhas e envie. Verá que maravilha está acontecendo no meio de nós. Jesus disse que a luz não era para ficar escondida, e que a Boa Notícia do Reino de Deus era e é para ser proclamada sobre os telhados para que chegue até as periferias existenciais do coração humano. 
Vamos fazer, então, um grande mutirão pela Vida e a Justiça, para nos ajudarmos a crescer no serviço aos pobres, na comunidade, no diálogo, na missão, na luta pela vida, pela justiça e pela paz. 
Surfista do Evangelho 
Neste ano litúrgico (Ano A) que acaba de concluir, o Evangelho de Mateus foi a minha praia. Por falar em praia, eu gosto é da praia de Piatã (Salvador/ BA). Isso é praia! Já viu segunda-feira? Piatã é uma delícia. Vai encontrar pouco pessoal, caminhando, jogando bola, sentado, deitado, criança brincando de gente grande, homem e mulher feito criança, construindo castelos na areia. 
Eu gosto é de praia, como gosto dos Evangelhos. Essa é uma de minhas praias favoritas, junto com a praia dos Profetas e Apocalipse. O Evangelho de Lucas: que coisa linda! E o de Marcos, nem me fale, pois vai nos acompanhar durante este Ano do Ciclo B (2018). Mas eu decidi que, por enquanto, a minha onda continua sendo Mateus. Existem mil motivos para frequentar essa praia. Alguns consideram esse evangelho como o mais eclesial: fala do jeito de ser comunidade, de viver, de celebrar, de ser seguidores e seguidoras de Jesus, de oferecer o perdão se for o caso. 
Traz também ar de pão cozido, de trabalhadores cansados de esperar na praça, de mulheres fadigadas, de multidões de pobres, das provações de Jesus que outros chamam de tentações, de sonhos, de tanta coisa. Há muita sabedoria e mensagem nesse baú e as pessoas lúcidas e sábias saber tirar coisas antigas e novas para dar vida e gerar alegria e esperança, a começar pelos pequenos e excluídos, enfermos e esquecidos.
– Eu já ouvi falar nisso. Que tem muito discurso: cinco discursos! Que esse evangelho quer mesmo é ensinar, mas sobretudo ensinar a viver como Jesus e praticar tudo o que ele nos mandou (Mt 28,18-20). 
– É uma boa notícia para os pobres e pequenos. Eu acho esse Evangelho lindo, lindo, lindo. Lindo mesmo! 
– E de Jesus de Nazaré também fala um bocado! Claro, nesse tecido tem fios e fios de muitas cores e tamanhos. E Jesus Cristo é um fio de um rio de grande correnteza no Evangelho de Mateus. Jesus, a comunidade e a missão. Três fios entrelaçados, de grande consistência e horizontes. 
- Eu participei de uma palestra que falaram somente de cristologia, de eclesiologia e missiologia.
-  Pois é. Exatamente, essas são palavras mais técnicas para significar a mesma mensagem.  
Tudo isso está lá e muito mais. Tem tanto segredo nessa mata, aliás, nessa praia!
Você acha que conhece, porque passou por lá várias vezes, e coisíssima nenhuma. As pegadas que você deixou, o dia seguinte não encontra mais. Caminha e caminha e a praia é sempre nova. O céu, diferente. O mar, que Jesus frequenta para chamar os seus discípulos, aparece como mais alegre e revitalizador. Faz sonhar acordado! Praia coisa linda que só! Praia, dom de Deus! Evangelho de Mateus, presente de Deus. Memória de Jesus e das comunidades. Memória e sonho da missão dos pobres! 
– Ué! Os pobres têm missão? 
Só faltava essa! Que os pobres já não tivessem nem missão. Não têm casa, nem pão, nem terra, nem salário. Tiraram deles a cultura, quase que a vida lhes arrancaram e, agora, querem tirar também a missão? Mas não vão poder tirar o que Deus lhes confiou: a eles pertence o Reino e a Missão! 

Surfista? Sim
Venha a curtir essa praia comigo. Não me entenda mal. Não é que eu seja doente por praia. Nasci no interior, num povoado de sessenta famílias. Mas meus olhos se acostumaram a estas praias brasileiras e decidi ser surfista. 
– Mas você, logo você que mal sabe nadar. 
– Pois é, mal sei nadar, mas por isso é que não sou do mar. O mar me respeita, e eu tenho respeito por ele. Respeito e medo. Mas eu gosto é de surfar. Minha prancha é de boa qualidade e com o passar do tempo a confiança aumenta. Tenho maior intimidade. Somos mais amigos. Dentro do possível, porque os mares, como a vida e o evangelho, guardam muitos segredos! 
– E o Evangelho de Mateus também. Dá para surfar o ano todo: uma delícia de mar! Quanto você mais avança maior é a alegria de nadar, de surfar, de brincar com ondas. Você e a prancha e a onda viram uma coisa só, junto com o vento e o sol. Um milagre em movimento!


Quando você quer reter a onda, aí não dá. A onda chega na praia e já era! Bateu no chão! Tem que se deixar levar pelas ondas, e driblar, e brincar na gratuidade do vento que vem e também para quando quer.
Algo assim é o Evangelho de Mateus. É coisa linda para as crianças: podem brincar na praia e sentir a presença do Amigo que fala com tanta paixão das crianças que até os adultos querem virar crianças para entrar no Reino de Deus. E aí o sonho de Jesus se realiza. E Jesus grita de alegria vendo tanta coisa linda: Eu te louvo, Pai, porque tem tanta criança na praia, curtindo a partilha, a solidariedade, e essa presença do Abbá (papai, painho/ paizinho: Mc14,36; Rm 8,15; Gl 4,6), que brinca com eles o dia todo (Mt 11,25-27).
E tem surfista que joga e descobre o rosto de Cristo. E se adentra descobrindo outras praias e outros mares e percebe e festeja a missão sem fronteiras das comunidades. E fica à mercê do Vento, por caminhos novos (Atos 1, 5-8). Sempre em movimento, guiado pelo Vento! Sob a proteção da mão de Deus (Salmo 121 /120) que acompanha nossas entradas e saídas, que segura a prancha e até mesmo você, quando o cansaço chega e pensa em desistir.
Entrar, entrar no mar como o surfista. Quantas vezes? Só o mar e Deus é que sabem! Entrar e voltar... Começar e recomeçar. O surfista bom não conta as vezes que entra e sai: simplesmente curte um dia e outro, deixando-se levar pela beleza do mar e a alegria do vento. Comece a ler, ou reler, pois, o Evangelho de Mateus como surfista. Entre nele uma, duas, sete vezes! Cuidado, você vai acabar se apaixonando e vai querer visitar e revisitar frequentemente, porque as pérolas que esconde o Evangelho segundo Mateus, como os outros três, somente são mostradas aos poucos, em cada nova leitura, sempre nova, sempre viva, sempre surpreendente! Quando se tem familiaridade e intimidade com o texto, com o contexto, a profundidade e riqueza do Evangelho se torna inesgotável.
– Mas, por onde começar a ler?
– Geralmente, pelo começo. Sem dúvida, você lembra aquela história Aventuras de Alice no País das maravilhas que conta assim: “O Coelhinho Branco colocou os óculos e perguntou: - Com licença de Vossa Majestade, devo começar por onde? E o Rei, com muita calma e com ar muito grave lhe disse: Comece pelo começo e vá até o fim. Então pare!”. Agora você já sabe por onde começar a ler qualquer livro da Bíblia: pelo começo! Agora bem, você vai se deliciar se começar a ler o Evangelho de Mateus pelo fim. Faça a prova uma vez! Leia o capítulo 28 de Mateus, inteirinho e devagarinho... com tudo aquilo que já sabe de Jesus. Você já sabe muita coisa de Jesus. De hoje que está na comunidade! Acolha a novidade que a cada passo vai descobrir. As surpresas vão chegar com certeza, e Deus vai lhe inspirar o resto para continuar surfando. Outra onda, de repente, vai devolvê-lo à praia..., mas continue surfando, surfando, surfando!
- E, agora José?
- Pois de novo, como faz todo surfista, retome a prancha, entre mais uma vez nesse mar do Evangelho de Mateus com a alegria dos Magos ao ver a Estrela (Mateus 2). Entre e lembre o que o Rei disse ao Coelhinho Branco: começa pelo começo e vá até o fim! A palavra de ordem é começar, começar tudo na Galileia, por onde Jesus começou. Se você quer ser um pouco criativo, pula os dois primeiros capítulos e pode ler a partir do capítulo 3 em diante: todo dia, devagar e sempre. A terceira vez, vai fazer a caminhada pelo evangelho todo: desde o começo, agora sim, sem pressas. O Capítulo primeiro vai guiar você ao segundo e ao terceiro e o quarto, onde Jesus aparece chamando e assim, você pode caminhar e seguir Jesus, junto com os discípulos e discípulas de ontem e de hoje, anotando no seu caderninho tudo o que você vai descobrindo, tudo aquilo que surpreende você e não esqueça de registrar, ao mesmo tempo, as dúvidas e perguntas que apareçam. Você vai descobrir que as trevas do caminho vão desaparecendo quando Jesus de Nazaret entra na história de cada ser humano: Ele é luz na história de uns pescadores como Pedro e André, de João e Tiago; na história dos pobres, dos excluídos, dos enfermos (Mt 4,12-25) que, sem muitos convites, aparecem ouvindo o Sermão do Monte, iniciando com essa página maravilhosa das Bem-aventuranças no capítulo cinco e chegando até o final do capítulo sete! O Sermão do Monte merece ser lido uma vez todo seguido: capítulo cinco, seis e sete! Claro, esqueça suas pressas. Ler a Bíblia ou os Evangelhos não forma parte da “pedalada” anual. Leia, pois, todo o Sermão do Monte, saboreando cada palavra, pois neste momento, Jesus está falando diretamente para você ou para o seu grupo, para sua comunidade, e tem uma mensagem linda para te dizer e propor. Veja como foca e salienta a necessidade de tomar uma atitude, de fazer uma opção radical pelo Reino e sua justiça (Mt 6,33). Sinta, pois, esse chamado, esse convite, muito pessoalmente, e veja o estilo tão característico de Jesus de dizer as coisas. Não é um mandamento, não é um dever de casa, não é um dever de sentar. É, sabe? É Evangelho! Boa Notícia que toca o coração, mesmo que, às vezes, você possa ter a sensação de ser uma grande provocação para seu estilo de vida. Jesus invita a caminhar, a segui-lo, a ir para a frente, sempre em saída, sempre a caminho, apesar dos pedregulhos da caminhada (9,35-10,42), sendo comunidades que acolhem os pequenos e os últimos (Mt 25,31-46) e se perguntando mil coisas de como seguir Jesus pelas ruas da acolhida e do perdão incondicional (Mt 18). 
De repente, não se assuste nem se incomode, se você nota que algumas perguntas são tão parecidas com as nossas: "Quem é o maior no Reino de Deus? Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna? Mestre, ordena que estes dois filhos meus se sentem no teu Reino, um a tua direita e o outro a tua esquerda. Quantas vezes devo perdoar?" Mas, outras são tão diferentes, tão originais. Só podem ser nossas e pensamos que são de agora: “será que eu vou vender tudo, dar aos pobres para seguir Jesus” ou “será que eu vou poder perdoar como fala o Evangelho? Desse jeito radical, incondicional, de coração?” Aqui é bom fazer memória de pessoas que, hoje, no nosso mundo, tiveram a coragem de seguir Jesus em radicalidade ou de “perdoar incondicionalmente”, mesmo depois de ver “sangrar o próprio coração”. Teremos oportunidade de partilhar essas e outras experiências que o Evangelho vai provocando nas pessoas de qualquer latitude do planeta. Veja, no entanto, qual é a resposta que cada interlocutor dá e qual a proposta sempre nova de Jesus. Uma coisa é saber, outra é viver e praticar. Jesus não fica satisfeito com boas ou bonitas palavras (Mt 7,15-29), mas espera de cada pessoa obras, testemunho, compromisso, frutos. Frutos! (João 15; EG 24).


Ele não fala de resultado, nem de êxito, nem de sucesso! Isso não forma parte da lógica de Jesus, da Boa Notícia do Reino de Deus! Não esqueça isso. A caminhada seguindo Jesus de Nazaret acaba no Gólgota (Mt 27,33; Mc 15,22; Jo 19,17) ou nalguma estrada escondida do Nordeste, de Rondônia ou de qualquer outra região brasileira ou do mundo, onde o testemunho, o convívio diário e a profecia marcam presença longe dos holofotes de turno.
E oferecer o perdão de coração. Isso é tão difícil, mas para Deus nada é impossível. E além disso: O perdão e o amor renovam continuamente o coração e a comunidade. Trazem a vida nova de Deus, uma Boa Notícia, Evangelho para nós!

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Continue surfando! Vai encontrar muita novidade vivendo a palavra do Evangelho no horizonte dos mares todos, dos oceanos todos debaixo do céu. Ele, o Senhor da missão, envia discípulos, evangelizadores e acompanha o trabalho: "Ele é Emanuel – Deus conosco" (Mt 1,23). Onde duas ou três pessoas se reúnem no Seu nome, lá, seja numa casa ou num quarto de hospital, Ele se faz presente, está no meio de nós quando rezamos em família ou com uma pessoa que visitamos (Mt 18,20).


E coisa ainda mais linda, Ele está surfando ao nosso lado na praia do dia a dia, sem cansar,  presente, ao lado, mesmo que nossos olhos não sejam capazes de lhe reconhecer (Lc 24,13-35), e acompanha cada dia os desafios e avatares de nossas entradas e saídas, de nossas visitas em missão até o fim dos tempos! (Mt 28,16-20).


No horizonte onde o mar se junta com o céu, lá é uma delícia, é o Reino de Deus acontecendo. Venha curtir essa praia e fazer discípulos e discípulas de todas as nações. Venha realizar sua missão e se alegrar neste Kairos, neste tempo oportuno de alegria que nos toca viver e apostar nele, neste ano de graça do Senhor. Venha surfar! Continue surfando pelo Evangelho afora, pelo mundo afora!


 Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano
justinomarpe@gmail.com