BÍBLIA: TODO UM
MAR PARA SURFAR
É bom escutar e
ver como as pessoas leem a Bíblia. Descobre-se tanta coisa bonita! Por isso a
partir daqui convido você que está lendo estas páginas a partilhar a sua
leitura e vivência da Palavra de Deus. Diga onde você encontra água para a sua
sede, e o seu modo de atingi-la. Partilhe textos-manancial onde você frequenta com
carinho e descobre neles vida, alegria e esperança.
Pode pensar
que são pequenas coisas e que a ninguém interessa. Tente escrever dez ou quinze
linhas e envie. Verá que maravilha está acontecendo no meio de nós. Jesus disse
que a luz não era para ficar escondida, e que a Boa Notícia do Reino de Deus
era e é para ser proclamada sobre os telhados para que chegue até as periferias
existenciais do coração humano.
Vamos fazer,
então, um grande mutirão pela Vida e a Justiça, para
nos ajudarmos a crescer no serviço aos pobres, na comunidade, no diálogo, na
missão, na luta pela vida, pela justiça e pela paz.
Surfista do Evangelho
Neste ano litúrgico
(Ano A) que acaba de concluir, o Evangelho de Mateus foi a minha praia. Por
falar em praia, eu gosto é da praia de Piatã (Salvador/ BA). Isso é praia! Já
viu segunda-feira? Piatã é uma delícia. Vai encontrar pouco pessoal,
caminhando, jogando bola, sentado, deitado, criança brincando de gente grande,
homem e mulher feito criança, construindo castelos na areia.
Eu gosto é de
praia, como gosto dos Evangelhos. Essa é uma de minhas praias favoritas, junto
com a praia dos Profetas e Apocalipse. O Evangelho de Lucas: que coisa linda! E
o de Marcos, nem me fale, pois vai nos acompanhar durante este Ano do Ciclo B
(2018). Mas eu decidi que, por enquanto, a minha onda continua sendo Mateus.
Existem mil motivos para frequentar essa praia. Alguns consideram esse
evangelho como o mais eclesial: fala do jeito de ser comunidade, de viver, de
celebrar, de ser seguidores e seguidoras de Jesus, de oferecer o perdão se for
o caso.
Traz também ar
de pão cozido, de trabalhadores cansados de esperar na praça, de mulheres
fadigadas, de multidões de pobres, das provações de Jesus que outros chamam de
tentações, de sonhos, de tanta coisa. Há muita sabedoria e mensagem nesse baú e
as pessoas lúcidas e sábias saber tirar coisas antigas e novas para dar vida e
gerar alegria e esperança, a começar pelos pequenos e excluídos, enfermos e
esquecidos.
– Eu já ouvi
falar nisso. Que tem muito discurso: cinco discursos! Que esse evangelho quer
mesmo é ensinar, mas sobretudo ensinar a viver como Jesus e praticar tudo o que
ele nos mandou (Mt 28,18-20).
– É uma boa
notícia para os pobres e pequenos. Eu acho esse Evangelho lindo, lindo, lindo.
Lindo mesmo!
– E de Jesus
de Nazaré também fala um bocado! Claro, nesse tecido tem fios e fios de muitas
cores e tamanhos. E Jesus Cristo é um fio de um rio de grande correnteza no
Evangelho de Mateus. Jesus, a comunidade e a missão. Três fios entrelaçados, de
grande consistência e horizontes.
- Eu
participei de uma palestra que falaram somente de cristologia, de eclesiologia
e missiologia.
- Pois é. Exatamente, essas são palavras mais
técnicas para significar a mesma mensagem.
Tudo isso está
lá e muito mais. Tem tanto segredo nessa mata, aliás, nessa praia!
Você acha que
conhece, porque passou por lá várias vezes, e coisíssima nenhuma. As pegadas
que você deixou, o dia seguinte não encontra mais. Caminha e caminha e a praia
é sempre nova. O céu, diferente. O mar, que Jesus frequenta para chamar os seus
discípulos, aparece como mais alegre e revitalizador. Faz sonhar acordado! Praia
coisa linda que só! Praia, dom de Deus! Evangelho de Mateus, presente de Deus.
Memória de Jesus e das comunidades. Memória e sonho da missão dos pobres!
– Ué! Os
pobres têm missão?
– Só
faltava essa! Que os pobres já não tivessem nem missão. Não têm casa, nem pão,
nem terra, nem salário. Tiraram deles a cultura, quase que a vida lhes
arrancaram e, agora, querem tirar também a missão? Mas não vão poder tirar o
que Deus lhes confiou: a eles pertence o Reino e a Missão!
Surfista? Sim
Venha a curtir
essa praia comigo. Não me entenda mal. Não é que eu seja doente por praia.
Nasci no interior, num povoado de sessenta famílias. Mas meus olhos se
acostumaram a estas praias brasileiras e decidi ser surfista.
– Mas você,
logo você que mal sabe nadar.
– Pois é, mal
sei nadar, mas por isso é que não sou do mar. O mar me respeita, e eu tenho
respeito por ele. Respeito e medo. Mas eu gosto é de surfar. Minha prancha é de
boa qualidade e com o passar do tempo a confiança aumenta. Tenho maior
intimidade. Somos mais amigos. Dentro do possível, porque os mares, como a vida
e o evangelho, guardam muitos segredos!
– E o
Evangelho de Mateus também. Dá para surfar o ano todo: uma delícia de mar!
Quanto você mais avança maior é a alegria de nadar, de surfar, de brincar com
ondas. Você e a prancha e a onda viram uma coisa só, junto com o vento e o sol.
Um milagre em movimento!
Quando você
quer reter a onda, aí não dá. A onda chega na praia e já era! Bateu no chão!
Tem que se deixar levar pelas ondas, e driblar, e brincar na gratuidade do
vento que vem e também para quando quer.
Algo assim é o
Evangelho de Mateus. É coisa linda para as crianças: podem brincar na praia e
sentir a presença do Amigo que fala com tanta paixão das crianças que até os
adultos querem virar crianças para entrar no Reino de Deus. E aí o sonho de
Jesus se realiza. E Jesus grita de alegria vendo tanta coisa linda: Eu te
louvo, Pai, porque tem tanta criança na praia, curtindo a partilha, a
solidariedade, e essa presença do Abbá (papai, painho/ paizinho: Mc14,36; Rm 8,15; Gl 4,6),
que brinca com eles o dia todo (Mt 11,25-27).
E tem surfista
que joga e descobre o rosto de Cristo. E se adentra descobrindo outras praias e
outros mares e percebe e festeja a missão sem fronteiras das comunidades. E
fica à mercê do Vento, por caminhos novos (Atos 1, 5-8). Sempre em movimento,
guiado pelo Vento! Sob a proteção da mão de Deus (Salmo 121 /120) que acompanha
nossas entradas e saídas, que segura a prancha e até mesmo você, quando o
cansaço chega e pensa em desistir.
Entrar, entrar
no mar como o surfista. Quantas vezes? Só o mar e Deus é que sabem! Entrar e
voltar... Começar e recomeçar. O surfista bom
não conta as vezes que entra e sai: simplesmente curte um dia e outro,
deixando-se levar pela beleza do mar e a alegria do vento. Comece a ler, ou
reler, pois, o Evangelho de Mateus como surfista. Entre nele uma, duas, sete
vezes! Cuidado, você vai acabar se apaixonando e vai querer visitar e revisitar
frequentemente, porque as pérolas que esconde o Evangelho segundo Mateus, como
os outros três, somente são mostradas aos poucos, em cada nova leitura, sempre
nova, sempre viva, sempre surpreendente! Quando se tem familiaridade e
intimidade com o texto, com o contexto, a profundidade e riqueza do Evangelho
se torna inesgotável.
– Mas, por
onde começar a ler?
– Geralmente,
pelo começo. Sem dúvida, você lembra aquela história Aventuras
de Alice no País das maravilhas que conta assim: “O Coelhinho
Branco colocou os óculos e perguntou: - Com licença de Vossa Majestade, devo
começar por onde? E o Rei, com muita calma e com ar muito grave lhe disse: Comece
pelo começo e vá até o fim. Então pare!”. Agora você já sabe por onde começar a
ler qualquer livro da Bíblia: pelo começo! Agora bem, você vai se deliciar se
começar a ler o Evangelho de Mateus pelo fim. Faça a prova uma vez! Leia o
capítulo 28 de Mateus, inteirinho e devagarinho... com tudo aquilo que já sabe
de Jesus. Você já sabe muita coisa de Jesus. De hoje que está na comunidade! Acolha
a novidade que a cada passo vai descobrir. As surpresas vão chegar com certeza,
e Deus vai lhe inspirar o resto para continuar surfando. Outra onda, de repente,
vai devolvê-lo à praia..., mas continue surfando, surfando, surfando!
- E, agora
José?
- Pois de
novo, como faz todo surfista, retome a prancha, entre mais uma vez nesse mar do
Evangelho de Mateus com a alegria dos Magos ao ver a Estrela (Mateus 2). Entre
e lembre o que o Rei disse ao Coelhinho Branco: começa pelo começo e vá até o
fim! A palavra de ordem é começar, começar tudo na Galileia, por onde Jesus
começou. Se você quer ser um pouco criativo, pula os dois primeiros capítulos e
pode ler a partir do capítulo 3 em diante: todo dia, devagar e sempre. A terceira
vez, vai fazer a caminhada pelo evangelho todo: desde
o começo, agora sim, sem pressas. O Capítulo primeiro vai guiar
você ao segundo e ao terceiro e o quarto, onde Jesus aparece chamando e assim, você
pode caminhar e seguir Jesus, junto com os discípulos e discípulas de ontem e
de hoje, anotando no seu caderninho tudo o que você vai descobrindo, tudo
aquilo que surpreende você e não esqueça de registrar, ao mesmo tempo, as
dúvidas e perguntas que apareçam. Você vai descobrir que as trevas do caminho
vão desaparecendo quando Jesus de Nazaret entra na história de cada ser humano:
Ele é luz na história de uns pescadores como Pedro e André, de João e Tiago; na
história dos pobres, dos excluídos, dos enfermos (Mt 4,12-25) que, sem muitos
convites, aparecem ouvindo o Sermão do Monte, iniciando com essa página
maravilhosa das Bem-aventuranças no capítulo cinco e chegando até o final do
capítulo sete! O Sermão do Monte merece ser lido uma vez todo seguido: capítulo
cinco, seis e sete! Claro, esqueça suas pressas. Ler a Bíblia ou os Evangelhos
não forma parte da “pedalada” anual. Leia, pois, todo o Sermão do Monte, saboreando
cada palavra, pois neste momento, Jesus está falando diretamente para você ou
para o seu grupo, para sua comunidade, e tem uma mensagem linda para te dizer e
propor. Veja como foca e salienta a necessidade de tomar uma atitude, de fazer uma opção radical pelo
Reino e sua justiça (Mt 6,33).
Sinta, pois, esse chamado, esse convite, muito pessoalmente, e veja o estilo tão
característico de Jesus de dizer as coisas. Não é um mandamento, não é um dever
de casa, não é um dever de sentar. É, sabe? É Evangelho! Boa Notícia que toca o coração,
mesmo que, às vezes, você possa ter a sensação de ser uma grande provocação
para seu estilo de vida. Jesus invita a caminhar, a segui-lo, a ir para a
frente, sempre em saída, sempre a caminho, apesar dos pedregulhos da caminhada
(9,35-10,42), sendo comunidades que acolhem os pequenos e os últimos (Mt
25,31-46) e se perguntando mil coisas de como seguir Jesus pelas ruas da
acolhida e do perdão incondicional (Mt 18).
De repente, não se
assuste nem se incomode, se você nota que algumas perguntas são tão parecidas
com as nossas: "Quem é o maior no Reino de
Deus? Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna? Mestre, ordena que
estes dois filhos meus se sentem no teu Reino, um a tua direita e o outro a tua
esquerda. Quantas vezes devo perdoar?" Mas,
outras são tão diferentes, tão originais. Só podem ser nossas e pensamos que
são de agora: “será que eu vou vender tudo, dar aos pobres para seguir Jesus”
ou “será que eu vou poder perdoar como fala o Evangelho? Desse jeito radical,
incondicional, de coração?” Aqui é bom fazer memória de pessoas que, hoje, no
nosso mundo, tiveram a coragem de seguir Jesus em radicalidade ou de “perdoar
incondicionalmente”, mesmo depois de ver “sangrar o próprio coração”. Teremos oportunidade
de partilhar essas e outras experiências que o Evangelho vai provocando nas
pessoas de qualquer latitude do planeta. Veja, no entanto, qual é a resposta
que cada interlocutor dá e qual a proposta sempre nova de Jesus. Uma coisa é
saber, outra é viver e praticar. Jesus não fica satisfeito com boas ou bonitas
palavras (Mt 7,15-29), mas espera de cada pessoa obras, testemunho,
compromisso, frutos. Frutos! (João 15; EG 24).
Ele não fala
de resultado, nem de êxito, nem de sucesso! Isso não forma parte da lógica de
Jesus, da Boa Notícia do Reino de Deus! Não esqueça isso. A caminhada seguindo
Jesus de Nazaret acaba no Gólgota (Mt 27,33; Mc 15,22; Jo 19,17) ou nalguma
estrada escondida do Nordeste, de Rondônia ou de qualquer outra região
brasileira ou do mundo, onde o testemunho, o convívio diário e a profecia
marcam presença longe dos holofotes de turno.
E oferecer o
perdão de coração. Isso é tão difícil, mas para Deus nada é impossível. E além
disso: O perdão e o amor renovam continuamente o coração e a comunidade. Trazem
a vida nova de Deus, uma Boa Notícia, Evangelho para nós!
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Continue surfando! Vai encontrar muita novidade vivendo a palavra do
Evangelho no horizonte dos mares todos, dos oceanos todos debaixo do céu. Ele, o Senhor da missão,
envia discípulos, evangelizadores e acompanha o trabalho: "Ele é Emanuel – Deus conosco" (Mt 1,23). Onde duas ou três pessoas se reúnem no Seu
nome, lá, seja numa casa ou num quarto de hospital, Ele se faz presente, está
no meio de nós quando rezamos em família ou com uma pessoa que visitamos (Mt
18,20).
E coisa ainda mais linda, Ele está surfando ao nosso lado na praia do dia a dia, sem cansar, presente, ao lado, mesmo que nossos olhos não sejam capazes de lhe reconhecer (Lc 24,13-35), e acompanha cada dia os desafios e avatares de nossas entradas e saídas, de nossas visitas em missão até o fim dos tempos! (Mt 28,16-20).
E coisa ainda mais linda, Ele está surfando ao nosso lado na praia do dia a dia, sem cansar, presente, ao lado, mesmo que nossos olhos não sejam capazes de lhe reconhecer (Lc 24,13-35), e acompanha cada dia os desafios e avatares de nossas entradas e saídas, de nossas visitas em missão até o fim dos tempos! (Mt 28,16-20).
No horizonte
onde o mar se junta com o céu, lá é uma delícia, é o Reino de Deus acontecendo.
Venha curtir essa praia e fazer discípulos e discípulas de todas as nações.
Venha realizar sua missão e se alegrar neste Kairos, neste tempo oportuno de
alegria que nos toca viver e apostar nele, neste ano de graça do Senhor. Venha
surfar! Continue surfando pelo Evangelho afora, pelo mundo afora!