EVANGELHO: BOA NOTÍCIA PARA OS POBRES
O novo ciclo litúrgico está aí: Ano B. Estamos no tempo de Advento e por
todo o ano 2018, o Evangelho segundo Marcos vai ser nosso “Roteiro”, nossa “Guia
Litúrgica” teológica, espiritual, pastoral, missionária. Isso traz para nós,
seguidores de Jesus, comunidades que caminhamos na estrada de Jesus, uma grande
beleza e profundidade; um grande desafio e também uma promessa de felicidade e
alegria: descobrir ou redescobrir a nossa identidade e missão, como discípulos
que seguem as pegadas de Jesus, o Mestre, o Guia que nos precede e nos conduz
como Moisés, Aquele que vai na nossa frente e cujo rumo e destino não são muito
claros para nós, como não era para Pedro e as outras pessoas que acompanhavam Jesus, e isso nos
deixa “perturbados e talvez o seguimos com medo” como os discípulos quando
Jesus se põe a caminho de Jerusalém (Mc 10,32).
Muitas comunidades, do mundo todo, vão seguir o Evangelho de Marcos.
Queremos oferecer algumas dicas, pistas chaves e eixos para ajudar pessoas,
grupos e comunidades, agentes de pastoral, a caminhar na estrada de Jesus seguindo
o Evangelho segundo Marcos: o Evangelho, a memória e o testemunho que o
evangelista junto com suas comunidades nos deixaram como testamento, uma
herança rica e de valor incalculável se soubermos aproveita-la com criatividade,
alegria e perseverança; se tivermos a ousadia de adentrar-nos nessa mina de
diamantes e garimpar com constância, cada dia uma página, onde podemos descobrir
o que significa “ler” ou “escutar o Evangelho” como se fosse a primeira vez,
não pensando que já o conhecemos.
Vou contar uma história do primeiro mês quando estava estudando teologia
e o professor estava explicando os Evangelhos Sinóticos - Mateus, Marcos e
Lucas – e a relação que se dá entre eles. Emilio Rasco, o professor, grande
professor como o definia Arturo Sosa, companheiro de curso, corria muito e passava
de um evangelho para outro. Partindo de Marcos visitava Mateus e logo Lucas e
logo voltava para Marcos. Esse era o roteiro, vamos dizer assim. O ponto é que
na metade do caminho ou no final eu me perdia: tinha falado uma citação, e
agora, José, essa citação se refere a Marcos ou está em Lucas... Conversando com
Arturo lhe expus minha confusão e desânimo. Não encontrava isso muito
interessante. Aí Arturo me comentou que Emilio Rasco era um grande professor,
que estava preparando a tese de doutorado sobre o Evangelho de Lucas e Atos, e
que o tema era a Salvação na obra lucana. Agora, o que mais me impactou foi quando
disse que Rasco levava doze anos trabalhando esse tema e tinha pedido “mais
dois para acabar, porque tinha medo de defender a tese”. Aquilo foi uma
surpresa, um desafio e uma provocação. Se aquele professor tinha dedicado doze
anos já a Lucas e Atos e ainda lhe faltava alguma coisa..., aquilo devia ser
uma mina e tanto, muito mais rica que as minas do Rei Salomão.
Portanto, convido você a ler e acompanhar passo a passo as pegadas de Jesus,
seguindo todo o roteiro que Marcos vai mostrando. Evite pular de galho em
galho. Comece pelo começo e siga página trás página o desenrolar dessa
história. Não é uma história que aconteceu apenas ontem. Essa história foi
contada para você e para nós, para as nossas comunidades, para que façamos
aquela mesma experiência que aqueles pescadores tímidos sentiram quando Jesus
se aproximou do lago e disse o nome de cada um deles, e um trás outro foram
seguindo Jesus, desconcertados e medrosos, até que tiveram força, mas quando
chegou a hora “H”, “todos o abandonaram e fugiram” (Mc 14,50). O Evangelho do
Reino de Deus é uma aventura fascinante, onde não falta risco e é necessário
muitas vezes tomar Atitude! Os evangelistas narram os avatares do seguimento
com suas exigências, alegrias, frustrações e até fugas! Por outro lado, não se
cansam de registrar que também havia muitas
mulheres (Mt 27,55) que, de longe, olhavam; tinham seguido Jesus desde
a Galileia para o servir e ficaram firmes até o final. Marcos salienta: Maria
Madalena e Maria, mãe de José, observavam onde o depositaram (Mc 15,47). Interessante
que Mateus acrescenta que também está la presente ainda a mãe dos filhos de
Zebedeu (cf. Mt 20,20-23; Mc 10,46-52; Lc 18,35-43).
Começamos contando a história de Marcos. O depoimento dele nos aproxima
do Evangelho: Boa
Notícia que toca o coração e faz caminhar, avançar, assobiar e sonhar.
De pia João, de apelido Marcos!
Muitas comunidades querem saber quem sou eu,
Marcos, e o que eu fiz. Querem saber meu nome? De pia me chamaram João, mas
virei famoso pelo apelido: Marcos. Conheci de perto reuniões e decisões. Na
casa de minha mãe se cozinhava muita coisa, muita reza, lá era a casa da comunidade...
Como aquela noite em que libertaram Pedro, e a menina, de nome Rode, foi abrir
a porta e, de contente, deixou Pedro esperando... Ninguém acreditava que Pedro
estivesse por lá: “Pedro então refletiu
e foi para a casa de Maria, mãe de João, também chamado Marcos, onde muitos se
haviam reunido para rezar. Bateu à porta, e uma empregada, chamada Rosa, foi
abrir. A empregada reconheceu a voz de Pedro, mas sua alegria foi tanta que, em
vez de abrir a porta, entrou correndo para contar que Pedro estava ali, junto à
porta. Os presentes disseram: «Você está ficando louca!» Mas ela insistia (Atos
12,12-15).
Quem sou eu? Nem sei muito bem quem sou eu.
Se vocês me deixam, direi que eu sou espelho e
janela. Isso é o que eu sou e o que sempre quis ser. Isso
é o sentido de tudo o que eu escrevi no evangelho que agora leva meu nome, mas
que seria mais exata falar sempre do EVANGELHO DE JESUS
CRISTO. Meu objetivo era ser espelho. Simplesmente ser espelho para
refletir o rosto de Jesus Cristo com suas palavras, gestos e atitudes, e janela
que mostra a grandeza da missão que Ele nos confia até o fim dos tempos.
Essa é minha carteira de identidade. Minha
história se mistura com a história de Jesus. Para fazer uma casa tem que
misturar areia, brita, cimento, água, tijolo... Assim também para vocês me
entenderem, devem misturar a minha vida com o Evangelho de Jesus. Essa pessoa
me cativou. Essa causa cativou muitas outras. Cativou minha Mãe... sei lá,
tantos homens e mulheres... Um dia, descobri Jesus na comunidade. Vi que Jesus
dava sentido a minha vida. Por Ele e pelo Evangelho deixei tudo, como Pedro,
João, Madalena, Maria, Tiago e André, Ezequiel Ramin, Oscar Romero, Martin L.
King, Padre Josimo, Margarida Alves, Irmã Dorothy... Tornei-me
seguidor de Jesus, andarilho do Evangelho. Tornei-me missionário,
peregrino como Jesus. Aí fui com Barnabé e Paulo: “A Palavra de Deus,
entretanto, crescia e se multiplicava. Barnabé e Saulo terminaram seu serviço
em favor de Jerusalém, e voltaram, levando consigo João, também chamado Marcos”
(Atos 12,24-25).
Com Maria, minha mãe, aprendi muita coisa. Lá
era a casa da Palavra e da Comunidade, a Casa do Evangelho. Lá eu ouvi, conheci
o Evangelho, lá conheci a causa de Jesus e "fiquei seduzido". Sentia
uma música no meu peito: "Me chamaste para caminhar na vida contigo!
Decidi para sempre seguir-te e não voltar atrás!" Essa música entrou no
meu coração e jamais saiu: mesmo que às vezes, eu não fui até o fim. Cansei.
Renunciei uma vez a trabalhar na missão Fraquejei, parei. (Atos 13,13. Cf.
15,36-39). Refleti, porém, e voltei sobre os meus passos. Retomei o rumo, a
garra e a coragem.
Contador de Histórias
Decidi continuar contando histórias, como os
outros missionários e missionárias que iam evangelizando: narrando a História
de Jesus pelo mundo afora! Contamos essa história para crianças e idosos.
Ficavam com os olhos fixos na gente. Pediam para contar de novo e ninguém
cansava de ouvir falar do Amigo que mudou nossa vida. Pediam até para nós
deixar um cartão. Queriam conservar aquelas histórias de vida. Não queriam
esquecer o Evangelho, aquela Boa Notícia do Reino. Escrevam, por favor! E
começamos a escrever. Todo mundo foi deixando pequenos cartões com algumas
palavras de Jesus ou histórias fáceis de lembrar e contar. Até que um dia...
Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus
Um dia, sonhei em escrever um livro sobre aquela Boa Notícia de Jesus que as comunidades viviam e testemunhavam. - Que título dar ao livro? - O título não me veio logo na cabeça. Pensei e matutei. Por fim chegou: "Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus".
Eu
queria era refletir a Boa Notícia de Jesus, Ungido de Deus, Filho de Deus! Esse
ia ser o título da obra. Era como o resumo de tudo o que queria transmitir. Foi
uma alegria tão grande partilhar com as comunidades a experiência libertadora
de Jesus que eu até me esqueci de assinar! De fato, o Evangelho não é meu! É
das comunidades! O pessoal gostou tanto do jeito como contei a história que,
depois, deram também o título de "Evangelho" a outros livros
parecidos e que hoje conhecemos como os "Evangelhos".
Falar no nome de Jesus e do Evangelho não
cansava. Era uma fonte de alegria lembrar o que as comunidades já sabiam e
tentavam viver. Por isso não era difícil escrever, mandar uma cartilha para as
comunidades. As comunidades já sabiam muitas coisas. Já tinham recebido
instruções para o Batismo, se reuniam nas casas, partilhavam o pão e a palavra,
o serviço e a perseguição. Não faltavam dificuldades e desafios. Lá tinha
também grupos de jovens engajados, casais missionários que nem Priscila e
Áquila, aquele casal de missionários que deu uma lição ao eloquente Apolo (At
18,24-26).
E hoje, é uma alegria ver que há animadores,
missionários e missionárias, que vivem e proclamam com tanta coragem o
Evangelho de Jesus que visitam cada semana as famílias, lutam pela justiça e
pela vida, denunciando injustiças e corrupções. É uma alegria ver comunidades
lendo o Evangelho que escrevi, e que ajudam os jovens e as crianças a
reconhecer Jesus como Amigo, Messias, Filho Amado de Deus!
Tente você também: criança, jovem, animador,
comunidade, agente de pastoral ler essa memória bonita que recebemos e transmitimos
com palavras, gestos e com nosso testemunho comunitário. Leia e refaça essa
experiência de vida que tantas comunidades já experimentaram. Leia um minuto,
todo dia, o Evangelho de Marcos. Leia pessoalmente, em grupo ou em comunidade,
e seus pés vão caminhar ligeiros nas pegadas de Jesus e vão comunicar o que não
dá para guardar num cofre de ouro ou numa prateleira pegando poeira! Temos uma
mina de diamantes ao nosso alcance: leia, garimpe e curta a Boa Notícia do
Evangelho para todos, começando pelos pequenos, pobres e excluídos. Essa foi a
prioridade de Jesus, caminho para ser seguido pelos evangelizadores que hoje
querem tocar o coração das pessoas, transformar o mundo anunciando e levando
vida, alegria e esperança.
Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano