sábado, 22 de julho de 2017

O reino dos céus é semelhante ao fermento


Até uma criança sabe contar quantas sementes há numa maçã...

Dar esperança na situação atual
São muitas as pessoas, comunidades e agentes de pastoral que, diante da situação atual do Brasil, se perguntam como manter a esperança do povo, como não perder a esperança e a confiança nas pessoas, nas institições, nas comunidades... Sabiamos que havía “joio” no campo da política: corrupção, claro! Mas o tamanho, o volume, a extensão, a intensidade e a profundidade eram completamente desconhecidos. A realidade supera a nossa pobre imaginação. O leque é grande e não sabemos até onde chega ou pode chegar. Agora, com lucidez e sabedoria, com os olhos abertos e os pés no chão podemos sonhar sequer uma saída? Qual? Vêm de onde? Passa por onde e leva para onde? Como gerar ou regenerar a Vida, a Alegria e a Esperança? Onde podemos encontrar forças para caminhar, sonhar e apostar numa esperança contra toda esperança?

Com a conquista de Jerusalém por Nabucodonosor, o povo de Israel viu crolar todas as suas certezas: Terra, promessas, Templo... Pensava que Deus se tinha esquecido ou não tinha mais força para libertar. Sua alegria murchava como a erva. Um profeta, conhecido como Segundo Isaías, sente que a Palavra do Senhor permanece para sempre (Is 40,8) e portanto, sim, há vida, alegria, esperança para os últimos, para os exilados. Em outras situações, a realidade do povo é bem diferente. As autoridades ou governantes estão sentados na arrogância ou autossuficiência humana como raiz da idolatria. Se sentem poderosos e intocáveis, e se esquecem de cuidar das classes mais vulneráveis. O profeta de turno denuncia, sem meias palavras, o orgulho e arrogância com imagens fortes, responsabilizando em cada caso os causantes dessa realidade, como podemos conferir em Isaías 2,6-3,26.

E Jesus contou outra parábola

A mensagem de Jesus, sempre atual, vem ao nosso encontro. Três pequenas parábolas vem nos revelar a raiz da perseverança e o sonho de possibilidades que o Reino de Deus esconde no bojo da realidade humana. Na primeira, o semeador semeia boa semente no seu campo, mas enquanto dorme, vem um inimigo e semeia joio no meio do trigo. Crescem juntos. Supresa! Não plantou boa semente? Então, por que tem joio? Vamos arrancá-lo! Devagar! Não é o momento!


De novo Jesus conta outra parábola. O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo. Jesus não se cansa de observar a realidade cotidiana e sonha como fazer para que o Sonho de Deus, o Reino de Deus, chegue ao coração das pessoas, das multidões, do povo simples e comece a germinar, crescer e dar fruto. 

No profeta Ezequiel encontramos uma pequena parábola, semelhante àquela que Jesus está contando. A parábola do broto do cedro. É claro, um broto do cedro se torna uma árvore gigantesca onde os passarinhos farão seus ninhos. “Assim diz o Senhor Javé: Eu mesmo vou tirar da copa daquele cedro um broto; da ponta cortarei um ramo bem viçoso, e eu mesmo vou plantá-lo no alto de um monte elevado. É nas alturas da montanha de Israel que vou plantá-lo. Vai soltar ramos e produzir frutos, e se transformará num cedro gigante. Os passarinhos farão nele seus ninhos, e os pássaros se abrigarão à sombra de seus ramos. E todas as árvores do campo saberão que sou eu, Javé, que rebaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa, seco a árvore verde e faço brotar a árvore seca. Eu, Javé, falo e faço» (Ez 17,21-24).

Agora, Jesus, porém, não fala de um broto de cedro ou de mangueira, mas parte da mais pequena das sementes, um grão de mostarda, que se torna uma árvore onde vêm as aves do céu e se aninham nos seus ramos. Jesus quer incutir no coração dos discípulos de ontem e de hoje que o Reinado de Deus tem uma lógica diferente: não é na base do poder, da força que vai se impor. Ele vem de mansinho num jumentinho, é uma pequena semente que tem “força e vitalidade” para enfrentar os desafios da vida e vingar! Sua copa vai atrair as aves dos quatro cantos da terra. Os passarinhos representam os povos, as nações  que virão ao encontro do Senhor (Is 2,1-5). O Reino começa pequeno, mas é, torna-se, uma referencia universal, mundial, é para todos os povos e nações. Mateus vê já nas comunidades essa realidade plural, abertas a todos os povos! O Evangelho, a Palavra do Senhor realiza essa convocatória: Javé fala e faz! Jesus fala e acontece!

De Nazaré pode sair coisa boa?

Difícil acreditar para os discípulos: somos poucos, pequenos, insignificantes, vindos da periferia da Galileia das nações. Lá não tem nem mestres, nem profetas! (Jo 7,52). De Nazaré pode sair coisa boa? (Jo 1,46).  Seu sotaque lhes denuncia continuamente por onde vão (Mt 26,73). Mas Jesus mostra uma e cem vezes que o Reino vai vingar e o revela com outra imagem encantadora: a do fermento! O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado.
 
Lido assim, pode até não nos fazer muito efeito. Três medidas para nós não significam grande coisa. Agora vamos trocar em miudos. Essas medidas dão meio quintal de pão: 45-50 Kg! Esse “beliscão” da mulher não oferece pão para uma família só, mas para a nova família de cidadãos do Reino. Aí é toda uma comunidade que é transformada pelo fermento e o pão partilhado! A imaginação aponta à realidade profunda e ao vigor que o Reino de Deus é capaz de realizar.  Um “beliscão” de fermento é capaz de transformar toda a massa! Até que tudo fique fermentado! A missão dos discípulos, pequena como uma semente, realizada de dois em dois (Mc 6,7), vai revolucionar o mundo (At 17,6).

Tudo isso disse Jesus, por parábolas à multidão, e nada lhes falava sem parábolas. O Evangelista insiste nesse jeito de ensinar de Jesus: tudo em parábolas, para acordar os corações, para  fazer compreender e entrar numa nova dimensão que exige acolhida, disponibilidade e arregaçar as mangas (Mt 7,16-27; 5,13-16) para ser a nova, bela e boa semente = os cidadãos do Reino” (13,38). A nova comunidade de discípulos missionários enfrenta a dura realidade de ser enviada como “cordeiros no meio de lobos” (10,16). A comunidade do Reino enfrenta competição e conflitos: mexer com gente é coisa muito dificultosa, confessava um catequista de Pimenta Bueno (Rondônia) trinta e cinco anos atrás, e  o confirmava uma animadora de comunidade durante a Semana Missionária em Itapipoca (Ceará). Nossas comunidades não se vem livres daquelas tentações que Mateus mostra como quadro solene na entrada do Evangelho (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; 22.3.53) e que devemos considerar sempre, pois nos alertam na caminhada se queremos praticar a nova justiça do Reino (5,17; 6,33).

Para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas a minha boca. Publicarei coisas ocultas desde a fundação do mundo. Mateus faz uma citação do Salmo 78,2. Para este evangelista todo o Antigo Testamento tem um valor “profético” (cf. 5,17; 11,13). A Carta aos Efésios frisa a riqueza e profundidade da revelação desse mistério no final dos tempos, do qual nós já tomamos parte: “Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade, a livre decisão que havia tomado outrora de levar a história à sua plenitude, reunindo o universo inteiro, tanto as coisas celestes como as terrestres, sob uma só Cabeça, Cristo. Em Cristo recebemos nossa parte na herança, conforme o projeto daquele que tudo conduz segundo a sua vontade: fomos predestinados a ser o louvor da sua glória, nós, que já antes esperávamos em Cristo” (1,9-11).

Podemos, pois, concluir. Na bela lógica e missão do Reino de Deus: Até uma criança sabe contar quantas sementes há numa maçã, mas somente Deus sabe as maçãs que há numa semente. Hoje estamos chamados também a acreditar, esperar e tornar possível o Sonho de Jesus (11,25-30; 25,31-46).

Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano
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