O reino dos céus é semelhante ao fermento
Até uma criança sabe contar quantas
sementes há numa maçã...
Dar esperança na situação atual
São muitas as pessoas,
comunidades e agentes de pastoral que, diante da situação atual do Brasil, se perguntam
como manter a esperança do povo, como não perder a esperança e a confiança nas
pessoas, nas institições, nas comunidades... Sabiamos que havía “joio” no campo
da política: corrupção, claro! Mas o tamanho, o volume, a extensão, a
intensidade e a profundidade eram completamente desconhecidos. A realidade
supera a nossa pobre imaginação. O leque é grande e não sabemos até onde chega
ou pode chegar. Agora, com lucidez e sabedoria, com os olhos abertos e os pés
no chão podemos sonhar sequer uma saída? Qual? Vêm de onde? Passa por onde e
leva para onde? Como gerar ou regenerar a Vida, a Alegria e a Esperança? Onde
podemos encontrar forças para caminhar, sonhar e apostar numa esperança contra
toda esperança?
Com a conquista de
Jerusalém por Nabucodonosor, o povo de Israel viu crolar todas as suas
certezas: Terra, promessas, Templo... Pensava que Deus se tinha esquecido ou
não tinha mais força para libertar. Sua alegria murchava como a erva. Um
profeta, conhecido como Segundo Isaías, sente que a Palavra do Senhor permanece
para sempre (Is 40,8) e portanto, sim, há vida, alegria, esperança para os
últimos, para os exilados. Em outras
situações, a realidade do povo é bem diferente. As autoridades ou governantes
estão sentados na arrogância ou autossuficiência humana como raiz da
idolatria. Se sentem poderosos e intocáveis, e se esquecem de cuidar das classes
mais vulneráveis. O profeta de turno denuncia, sem meias palavras, o orgulho e
arrogância com imagens fortes, responsabilizando em cada caso os causantes dessa
realidade, como podemos conferir em Isaías 2,6-3,26.
E Jesus contou outra parábola
A mensagem de Jesus,
sempre atual, vem ao nosso encontro. Três pequenas parábolas vem nos revelar a
raiz da perseverança e o sonho de possibilidades que o Reino de Deus esconde no
bojo da realidade humana. Na primeira, o semeador semeia boa semente no seu
campo, mas enquanto dorme, vem um inimigo e semeia joio no meio do trigo. Crescem
juntos. Supresa! Não plantou boa semente? Então, por que tem joio? Vamos
arrancá-lo! Devagar! Não é o momento!
De novo Jesus conta
outra parábola. O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem,
pegando nele, semeou no seu campo. Jesus não se cansa de observar a realidade
cotidiana e sonha como fazer para que o Sonho de Deus, o Reino de Deus, chegue
ao coração das pessoas, das multidões, do povo simples e comece a germinar,
crescer e dar fruto.
No profeta Ezequiel encontramos uma pequena parábola, semelhante àquela que Jesus está contando. A parábola do broto do cedro. É claro, um broto do cedro se torna uma árvore gigantesca onde os passarinhos farão seus ninhos. “Assim diz o Senhor Javé: Eu mesmo vou tirar da copa daquele cedro um broto; da ponta cortarei um ramo bem viçoso, e eu mesmo vou plantá-lo no alto de um monte elevado. É nas alturas da montanha de Israel que vou plantá-lo. Vai soltar ramos e produzir frutos, e se transformará num cedro gigante. Os passarinhos farão nele seus ninhos, e os pássaros se abrigarão à sombra de seus ramos. E todas as árvores do campo saberão que sou eu, Javé, que rebaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa, seco a árvore verde e faço brotar a árvore seca. Eu, Javé, falo e faço» (Ez 17,21-24).
Agora, Jesus, porém,
não fala de um broto de cedro ou de mangueira, mas parte da mais pequena das
sementes, um grão de mostarda, que se torna uma árvore onde vêm as aves do céu
e se aninham nos seus ramos. Jesus quer incutir no coração dos discípulos de
ontem e de hoje que o Reinado de Deus tem uma lógica diferente: não é na base
do poder, da força que vai se impor. Ele vem de mansinho num jumentinho, é uma
pequena semente que tem “força e vitalidade” para enfrentar os desafios da vida
e vingar! Sua copa vai atrair as aves dos quatro cantos da terra. Os
passarinhos representam os povos, as nações
que virão ao encontro do Senhor (Is 2,1-5). O Reino começa pequeno, mas
é, torna-se, uma referencia universal, mundial, é para todos os povos e nações.
Mateus vê já nas comunidades essa realidade plural, abertas a todos os povos! O
Evangelho, a Palavra do Senhor realiza essa convocatória: Javé fala e faz!
Jesus fala e acontece!
De Nazaré pode sair coisa boa?
Difícil acreditar para
os discípulos: somos poucos, pequenos, insignificantes, vindos da periferia da
Galileia das nações. Lá não tem nem mestres, nem profetas! (Jo 7,52). De Nazaré
pode sair coisa boa? (Jo 1,46). Seu
sotaque lhes denuncia continuamente por onde vão (Mt 26,73). Mas Jesus mostra
uma e cem vezes que o Reino vai vingar e o revela com outra imagem encantadora:
a do fermento! O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e
introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado.
Lido assim, pode até
não nos fazer muito efeito. Três medidas para nós não significam grande coisa.
Agora vamos trocar em miudos. Essas medidas dão meio quintal de pão: 45-50 Kg!
Esse “beliscão” da mulher não oferece pão para uma família só, mas para a nova
família de cidadãos do Reino. Aí é toda uma
comunidade que é transformada pelo fermento e o pão partilhado! A imaginação
aponta à realidade profunda e ao vigor que o Reino de Deus é capaz de
realizar. Um “beliscão” de fermento é
capaz de transformar toda a massa! Até que tudo fique fermentado! A missão dos
discípulos, pequena como uma semente, realizada de dois em dois (Mc 6,7), vai
revolucionar o mundo (At 17,6).
Tudo isso disse Jesus,
por parábolas à multidão, e nada lhes falava sem parábolas. O Evangelista
insiste nesse jeito de ensinar de Jesus: tudo em parábolas, para acordar os
corações, para fazer compreender e entrar
numa nova dimensão que exige acolhida, disponibilidade e arregaçar as mangas
(Mt 7,16-27; 5,13-16) para ser a “nova, bela e boa semente = os
cidadãos do Reino” (13,38). A nova comunidade de discípulos
missionários enfrenta a dura realidade de ser enviada como “cordeiros no meio
de lobos” (10,16). A comunidade do Reino enfrenta competição e conflitos: mexer
com gente é coisa muito dificultosa, confessava um catequista de Pimenta Bueno
(Rondônia) trinta e cinco anos atrás, e o confirmava uma animadora de comunidade
durante a Semana Missionária em Itapipoca (Ceará). Nossas comunidades não se
vem livres daquelas tentações que Mateus mostra como quadro solene na entrada
do Evangelho (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; 22.3.53) e que devemos considerar sempre,
pois nos alertam na caminhada se queremos praticar a nova justiça do Reino (5,17;
6,33).
Para que se cumprisse o
que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas a minha boca.
Publicarei coisas ocultas desde a fundação do mundo. Mateus faz uma citação do
Salmo 78,2. Para este evangelista todo o Antigo Testamento tem um valor
“profético” (cf. 5,17; 11,13). A Carta aos Efésios frisa a riqueza e
profundidade da revelação desse mistério no final dos tempos, do qual nós já
tomamos parte: “Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade, a livre decisão
que havia tomado outrora de levar a história à sua plenitude, reunindo o
universo inteiro, tanto as coisas celestes como as terrestres, sob uma só
Cabeça, Cristo. Em Cristo recebemos nossa parte na herança, conforme o projeto
daquele que tudo conduz segundo a sua vontade: fomos predestinados a ser o
louvor da sua glória, nós, que já antes esperávamos em Cristo” (1,9-11).
Podemos, pois,
concluir. Na bela lógica e missão do Reino de Deus: Até uma criança sabe contar quantas sementes há numa maçã,
mas somente Deus sabe as maçãs que há numa semente. Hoje estamos chamados
também a acreditar, esperar e tornar possível o Sonho de Jesus (11,25-30;
25,31-46).
Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano
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