terça-feira, 24 de abril de 2018

MUTIRÃO PELA VIDA, A JUSTIÇA E A ESPERANÇA!


incorruptíveis!

A BRISA DA JUSTIÇA RENOVA A SOCIEDADE


"Uma injustiça feita a uma só pessoa
é uma ameaça para toda a humanidade"

A realidade gritante, que nos cerca, exige das comunidades e dos agentes de pastoral lucidez, coragem, proximidade, coerência e profecia. Os desafios, em vez de diminuir, aumentam cada dia. A corrupção, a violência, as injustiças, e as dores e clamores de multidões de pessoas, que sofrem as consequências de tudo isso ao longo do planeta, exigem novas atitudes evangélicas. Formação cada dia mais específica. Competência para responder aos gritos dos pobres, dos pequenos e excluídos. Precisamos revisitar a Palavra de Deus, para encontrar fontes de água viva para restaurar nossas forças, alegrias, compromissos e esperanças. De multiplex praças chegam até nós chamadas de atenção, cuidados e vigilância. A Palavra e a caminhada do Povo de Deus podem iluminar nosso mundo globalizado, repleto de indiferença e excludente!  Por isso, as comunidades e agentes de pastoral precisamos cantar e sonhar: "A justiça ainda aqui na terra precisa ser segundo o Evangelho!", como diz um canto das comunidades. É um sonho, uma tarefa, um desafio gritante e uma assinatura ainda pendente na realidade brasileira.
Agora estamos na aldeia global. Novo paradigma. Novos olhares! Tudo ao vivo! Hoje, na sociedade da informação... Assim poderíamos seguir respigando manchetes. Mas o que não cabe a menor dúvida é que nunca como hoje se espalham boatos, meias verdades, inverdades descaradas ou até “fake News!”: notícias declaradamente falsas, inventadas, com tal de ganhar, levar vantagem ou “tirar uma lasquinha! Basta abrir os olhos da memória e contemplar a história com lucidez.
Atarefados, e outros tomados de cobiça
Nas reuniões de comunidade ou na avaliação final, escuta-se frequentemente que as pessoas estão super atarefadas, que não encontram tempo para a família, nem para se prepararem, nem para nada. Vejamos um exemplo tomado do Povo de Israel pelo deserto. É bom para nós também aprendermos. A travessia pelo deserto foi uma caminhada e tanto. Ficou gravada na memória popular. Durou 40 anos! Foi um grande e demorado aprendizado. Quando faltava alguma coisa lá chegavam queixas: "falta água!" (Ex 15,24), "falta comida!" (Ex 16,1-3).
O livro dos Números diz que alguns dos filhos de Israel se puseram a chorar e a dizer: "Quem nos dará carne para comer? Lembramo-nos do peixe que comíamos por um nada no Egito, dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas, dos alhos!". Só viviam se queixando: "Agora estamos definhando, privados de tudo; nossos olhos nada veem senão este maná! "(Num 11,4-6). A comida falta, só tem maná. O problema parecia ser falta de comida. Mas junto com essas queixas somos informados de outro detalhe que se passa no coração: um pessoal "que estava no meio deles foi tomado de cobiça". Conta-nos a raiz de algo muito maior e a causa disso.
Rumo à terra prometida, passo a passo, Moisés e o povo vão aprendendo a conviver, a se relacionar e a resolver os problemas e conflitos quando chegam.

Tudo nas mãos de uma andorinha
Muitas coisas ficam esperando anos. Processos eternos, engavetados sem data de vencimento. Enquanto isso, pessoas clamando a Deus por uma justiça que tarda em chegar.
O livro do Êxodo conta como Moisés trabalha de sol a sol (Ex 18,13-27). Cansa-se ouvindo o povo que vem consultar a Deus, quando tem uma questão ou quer conhecer os projetos de Deus. Isso Moisés faz sozinho. Não dá conta do recado. Vai se esgotar. A tarefa é grande demais para uma andorinha só. Não vai fazer verão! Porém Moisés e os anciãos têm um papel importante na travessia. Jetro, o sogro de Moisés, vai iluminar Moisés para um jeito diferente de "julgar", de atuar e de resolver as dificuldades.

- Sozinho não dá, Moisés, disse Jetro. Por que te assentas sozinho, e todo o povo está em pé diante de ti, desde a manhã até o pôr-do-sol?"
"É porque o povo todo vem a mim. Julgo entre um e outro e lhes faço conhecer os decretos e a vontade de Deus".

O sogro que tinha visto o jeito de fazer respondeu a Moisés: "Se continuar assim você vai morrer! Você e o povo também! A tarefa é muito pesada para você. Impossível realizá-la sozinho! Escuta o meu conselho para que Deus esteja contigo: "representa o povo diante de Deus, e introduze as suas causas diante de Deus. Ensina-lhes os estatutos e leis, faze-lhes conhecer o caminho a seguir e as obras que devem realizar".

O sogro de Moisés era experiente. Era sacerdote de Madiã (Ex 18,1), tinha sete filhas e ofereceu hospitalidade a Moisés. Na casa dele Moisés ficou um tempão. Casou com a filha dele, Séfora. Teve um filho, Gersam, que vai lhe recordar constantemente sua situação de "migrante em terra estrangeira" (Ex 2,16-22). Na família de Jetro deve ter aprendido muitas coisas. Jetro era uma pessoa que escutava mesmo, que sabia contemplar a realidade antes de falar ou aconselhar (Ex 18,1.14). Por isso, aconselha-lhe a Moisés para governar o povo com sabedoria, compartilhando o peso da responsabilidade.

 Terra prometida, lugar de justiça  

Para acolher os apelos e fazer justiça como Deus quer, Jetro dá para Moisés um conselho, válido até hoje: "Escolhe do meio do povo homens capazes, tementes a Deus, seguros, incorruptíveis, e estabelece-os como chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez. Eles julgarão o povo em todo tempo. Toda causa importante trarão a você. Toda causa menor eles mesmos julgarão. Assim eles levarão a carga com você".


São vários os elementos significativos. A carga será partilhada, vai ser menor o peso. Causas menores podem ser julgadas logo. Toda causa importante vai exigir mais atenção, justiça e cuidado. Responsabilidades vão ser diferenciadas. Além disso é importante salientar os critérios que Jetro leva em conta para escolher pessoas responsáveis e coordenadores, juízes segundo o coração de Deus.
- Capazes, competentes, preparados. Julgar é tarefa difícil. Sempre foi. Isso não se improvisa. Exige preparação, discernimento, paixão, dedicação, integridade!  Num texto paralelo, no livro do Deuteronômio, Moisés conta como se sente sozinho para carregar todo aquele povo, numeroso como as estrelas. Insiste na dificuldade de carregar o peso, a carga e os processos. E por isso, pede para que “escolham homens sábios, inteligentes e competentes de cada uma das tribos, e ele os constituirá chefes”. Uma vez escolhidos. Moisés vai ordenar aos juízes: «Escutem seus irmãos para fazer justiça entre um homem e seu irmão ou imigrante que mora com ele. Não façam acepção de pessoas no julgamento: escutem de maneira igual o pequeno e o grande. Não tenham medo de ninguém, porque a sentença vem de Deus. Se a causa for muito difícil para vocês, tragam para mim, e eu a resolverei» (Dt 1,9-17).
- Tementes a Deus
O temor do Senhor é um tema recorrente e tem uma dupla face: faz referência a Deus, em primeiro lugar, mas ao mesmo tempo diz respeito às categorias mais frágeis da sociedade que devem “nos importar” prioritariamente. No livro do Deuteronômio encontramos vários convites a ter essa sensibilidade para órfãos, imigrantes, viúvas. Três categorias que o rei deve ter muito presentes. “Circuncidem o coração, porque Javé seu Deus é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, valente e terrível, que não faz diferença entre as pessoas e não aceita suborno. Ele faz justiça ao órfão e à viúva e ama o imigrante, dando-lhe pão e roupa. Portanto, amem o imigrante, porque vocês foram imigrantes no Egito. Tema e sirva a Javé seu Deus, apegue-se a ele e jure pelo seu nome” (Dt 10,16-20)
Vejamos o que isso quer dizer a partir de um exemplo do evangelho. No evangelho de Lucas, um evangelho muito sensível à realidade dos pobres e marginalizados, encontramos uma parábola ilustrativa de Jesus. «Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que ia à procura do juiz, pedindo: ‘Faça-me justiça contra o meu adversário!’. Isso parece a luta de Davi contra Golias. As viúvas em Israel, tanto no Antigo Testamento como no tempo de Jesus, não tinham um defensor legal, ficando a mercê dos juízes desonestos: “Os seus chefes são bandidos, cúmplices de ladrões: todos eles gostam de suborno, correm atrás de presentes; não fazem justiça ao órfão, e a causa da viúva nem chega até eles” (Isaías 1,23).  Outro texto denuncia a suprema corrupção: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos” (Is 10,1-2). Jesus manda ter cuidado com os letrados, pois, com “pretexto de longas orações, devoram as propriedades das viúvas” (Mc 12,40).
 Apesar do Juiz não se importar com Deus nem com o povo, depois de muito tempo se recusar em julgar a causa, o juiz por fim pensou: “Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum; mas essa viúva já está me aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não fique me incomodando”. O juiz acaba aceitando a causa pela teimosia da mulher. Mas o texto original grego é ainda mais forte que algumas traduções. O versículo 5 diz literalmente no texto original grego: visto que esta viúva está me importunando, eu lhe farei justiça, para que não me esbofeteie”.
O juiz em função é “iníquo”: não teme a Deus nem respeita as pessoas. É significativa esta associação: respeitar a Deus e as pessoas: implicam-se mutuamente. Certas espiritualidades desconectam uma dimensão da outra e a vida das pessoas fica “capenga!” e não responde ao projeto de Deus, pois não basta dizer e louvar: “Senhor, Senhor, Senhor!” (Mt 7,21-24; cf. Jr 7,4-7), se não se traduz tudo isso em justiça, proximidade, solidariedade com os estrangeiros, órfãos e viúvas, evitando oprimi-los e derramar sangue inocente.
Neste caso, temos um juiz, que não teme a Deus e não lhe importam nada as pessoas, e uma viúva, que sim teme a Deus, e luta por justiça, como as parteiras (Ex 1,17; Salmo 14). Ela vai colocar contra a parede o juiz até que responda (Lc 18,1-8). Os julgamentos aconteciam na porta da cidade ou em outro lugar público, de modo que a viúva tinha acesso e podia reclamar publicamente. A mulher não desespera, insiste teimosa e tenazmente. É sua única arma. A única arma de seu Jurandir ante o Delegado em Salvador de Bahia. Mataram seu filho e cada quinze dias, pelo espaço de dois anos, foi procurando justiça na Delegacia. Tanto incomodou o delegado que decidiu “prendê-lo um fim de semana”. Procura ver o andamento. Exigia justiça, nada especial, mas o delegado achou isso “um desrespeito!” Quem procura justiça arrisca, mas se se resigna acaba fazendo o jogo da injustiça. A viúva luta persistentemente até que o juiz ceda e se ocupe dela por puro egoísmo: para que não me encha, diríamos em linguagem popular. Mas aqui, há um detalhe curioso: “para que não me esbofeteie!”. Se isso chegasse a acontecer, seria um vexame público, incrível. Não deve acontecer! De repente, já tinha acontecido em algum caso precedente. E assim, a viúva voltou para casa alegre e feliz, com a vitória na mão!

Quem teme a Deus encontra uma fonte de coragem e liberdade (parresia), e renova a sua força como as parteiras Séfora e Fua, e recebe de Deus uma promessa de felicidade (Ex 1,15-22). Temer a Deus significa, portanto, se importar com a Palavra de Deus e com a vida, a justiça e a dignidade das pessoas, grupos ou classes mais desprotegidas: viúvas, órfãos, estrangeiros...

- Seguros, firmes: não areias movediças, nem a mercê de qualquer vento de interesse (Lc 7,24-27). Que não vacilam, nem falam hoje uma coisa e outra amanhã. Que sabem manter o próprio critério e enfrentar opiniões contrárias. Lembro agora uma história. Faz alguns anos, em Salvador, me comentava uma pessoa que era assessor de um deputado. O que vemos é que o tal deputado afirma hoje tal coisa e uma semana depois se esqueceu do que disse, mas não volta atrás. Só olha para frente! A palavra dessa pessoa é papel molhado!
- Incorruptíveis! Os três primeiros critérios são difíceis de seguir à risca, mas o quarto é quase um milagre ser encontrado na terra dos vivos! É tão fácil colocar um preço para cada coisa. Quem não entende isso é bobo. Não tem os pés no chão.

Contemplando os acontecimentos da vida, sintamos a brisa da Palavra de Deus, pois "toda Escritura inspirada por Deus é útil para instruir e refutar, para corrigir e formar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda a espécie de boas obras" (1 Tm 3,16).
Tomara que, hoje, a Palavra de Deus e todos esses critérios fossem levados em prática pelas pessoas que exercem cargos públicos: governadores, senadores, prefeitos, juízes, advogados, delegados, fiscais... Capazes, tementes a Deus, seguros e incorruptíveis, pois "uma injustiça feita a uma só pessoa é uma ameaça para toda a humanidade".

Justino Martínez Pérez
Missionário Comboniano