domingo, 27 de agosto de 2017

A CONFISSÃO DE PEDRO E A NOSSA
Mt 16,13-20
Pedro, de pescador a pastor
Quando Jesus, aparece como Luz pelas regiões da Galilea (Mt 4,12-17), chama a seu seguimento homens simples, pescadores. Pedro encabeça todas as listas de discípulos. O Novo Testamento o menciona quase cento sessenta vezes. A confissão de Pedro em Cesareia de Filipe constitui um dos pontos culminantes do Evangelho. Jesus, depois de instruir seus discípulos através de longas jornadas de presencia, palavra e prática libertadora, decide fazer uma sondagem de opinião e ver o que tem ficado. Não se trata de uma prova, mas de algo muito mais profundo e vivencial, que compromete toda a própria vida de discipulado. Anos atrás foi famoso aquele livro de José Maria Gironella: “Cem espanhóis e Deus”. As pessoas entrevistadas davam respostas significativas, mas muitas vezes, eram respostas de cara à galeria, para inglês ver. Eram pessoas famosas, conhecidas e reconhecidas em diferentes âmbitos da vida nacional. Poucos se arriscavam a pôr a carne na brasa. Eram respostas objetiva e teologicamente corretas, mas não expressavam com claridade como o encontro com Jesus Cristo tinha mudado sua vida e como a preenchia de garra, alegria e esperança.

As perguntas de Jesus de Nazaré
Algumas décadas atrás pairava no ar o refrão de uma música muito conhecida nos anos 1970-80: Jesus é a resposta! Talvez por isso estamos acostumados, em situações fortes, a questionar Deus: por que tal coisa, ou tal outra, por que aconteceu isso com minha filha? E nos sentimos com todo o direito de “questionar, de interpelar”. Não que isso esteja errado, mas talvez não é o caminho para entendermos o Evangelho e a sua proposta de vida pelo Reino.
Neste momento significativo da caminhada de Jesus, o Evangelho lembra uma pergunta chave de Jesus para os seus discípulos, para envolve-los no serviço do Reino. Uma pergunta que nos atinge em cheio. A enquete de Jesus consta apenas de duas perguntas. O que pensa a multidão, o povo, do Filho do homem: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» A primeira pergunta nos faria duvidar um pouco em nossos dias, pois esse “titulo” que Jesus usa nos Evangelhos, sempre usado por Jesus e sempre na primeira pessoa, a nós resulta muito estranho.
Tem duas raízes e as duas são muito significativas e convém leva-las em conta. No livro de Ezequiel, o profeta sente o chamado continuo de Deus com essa expressão; “Filho de homem, levanta-te! ”, e dado que Ezequiel parece que esteja sempre sentado ou deitado, pois, nada! Ele escuta e começa a pôr-se em pé de missão. Umas noventa vezes sente o profeta esse convite a pôr-se em pé: na verdade é que ser profeta nunca foi fácil e menos na época do desterro de Babilônia que lhe tocou assumir e enfrentar. Sentia Ezequiel que estava no meio de um povo rebelde, que não queria escutar a Palavra de Deus, que não queria crer na força profética de sua Palavra, porque santo de casa não faz milagres. Como dizia, a primeira raiz a encontramos nesse profeta e significa algo assim, de modo geral, como: «Criatura humana, fique de pé, que eu vou falar com você». A segunda raiz a encontramos no profeta Daniel (7,13-14). Aqui não se repete, ao contrário, é única, pero leva um sentido relevante e transcendente. Essas duas dimensões estão imbricadas no uso que Jesus faz delas. Na resposta à pergunta de Jesus se recolhem uma série de opiniões. Alguns acham que seja João Batista. Assim, por exemplo, naquele tempo, Herodes, governador da Galileia, ouviu falar da fama de Jesus. E disse a seus oficiais: «Ele é João Batista, que ressuscitou dos mortos. É por isso que os poderes agem nesse homem» (Mt 14,1-2). Outros Elias: Vejam! Eu mandarei a vocês o profeta Elias, antes que venha o grandioso e terrível Dia de Javé. Ele há de fazer que o coração dos pais volte para os filhos e o coração dos filhos para os pais; e assim, quando eu vier, não condenarei o país à destruição total” (Ml 3,23); Jeremias ou um dos antigos profetas. Na memória do povo seguia viva aquela palavra de Deus a Moisés: “Do meio dos irmãos, eu farei surgir um profeta como você. Vou colocar minhas palavras em sua boca, e ele dirá para eles tudo o que eu lhe mandar” (Dt 18,18). Essas expressões diversas refletem o que sentiam as diferentes classes ou grupos sociais, conforme as expectativas reinantes de cara ao Messias e a sua missão, e que os Evangelhos já apresentam como referência simbólica quando Jesus é provado no deserto (Mt 4, 1-11; Lc 4,1-13).

A segunda pergunta é mais direta e comprometedora: Essa é a pergunta chave para todo discípulo e seguidor de Jesus até os nossos dias. Esta é a mais interessante e provocadora. A mais pessoal e a que não se pode iludir. Aqui não vale dizer: meus pais me ensinaram assim. O meu catequista me dizia…. Tudo isso, claro, tem sua força e valor. Mas, aqui e agora, somos interpelados a descobrir e viver o que realmente significa Jesus Cristo em nossa vida pessoal, familiar e social.  Como os samaritanos quando fazem a experiencia de escutar o mesmo Jesus. Aqui não vale, por exemplo, pregunte ao professor ou busque no “Google”. Aqui se trata de cada um de nós responder livre e responsavelmente frente a esta aposta vital que pode orientar toda nossa vida e enche-la de sentido e plenitude. Na resposta nos jogamos tudo: à uma única carta no baralho da existência! Não temos outro pneu de reserva ou estepe para essa viagem. Não há uma segunda chance! Nos embarcamos nessa aventura com alegria e paixão ou ficamos tranquilamente no porto.
Pedro, em nome do grupo, se adianta e diz: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo». Jesus confirma a confissão de Pedro: Isso não vem do teu esforço pessoal, dos teus estudos na universidade, mas vem do meu Pai que está no céu. Agora bem, entender o que isso significa, vai levar a Pedro um bom tempo para digeri-lo. Pois o Messias “servo”, que passa pela debilidade e pelo escândalo da cruz no horizonte da Glória e da Luz, no entra na cabeça dos discípulos. Paulo salienta na primeira carta aos Coríntios: uns querem milagres, os outros, sabedoria, mas nós pregamos um Cristo crucificado, escândalo e loucura! (1Cor 1,22-31). Parece que estamos nos tempos de Paulo: procurando milagres por todo canto!
Então, Pedro levou Jesus para um lado, e o repreendeu, dizendo: «Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça! Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: Não, fique longe de mim, Satanás! Mas, ao contrário, põe-te atrás de mim! Segue-me! Pedro deve “seguir” sempre como discípulo de Jesus (Mt 23,8-12) e entrar no projeto do Reino de Deus, revelado no seu Filho. Entrar na lógica do Reino significa perder a vida para ganha-la, arriscar, ousar sem medo o Evangelho, como quando Pedro e os onze declaram que não podem calar, que devem obedecer a Deus antes que aos homens (Atos 4-5). Pedro, chamado a ser “rocha”, “alicerce”, por enquanto é uma pedra de tropeço, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens! Pedro vai precisar de tempo para amadurecer pelos caminhos do Reino. Navega mal nesse mar. E Pedro, neste caso, somos você e eu!
Pedro, às duras e às maduras, está lá por inteiro! Mostra-se sempre tal qual. Está disposto a ir até a cadeia e morrer. Quer saber como caminha o processo diante do sumo sacerdote. Se arrisca e entra no quintal. Quando é reconhecido por uma mulher e logo por outra e logo por mais outros, começa a ter medo e por três vezes seguidas nega conhecer Jesus. Isso na noite, antes de cantar o galo. Logo chora amargamente. O Evangelio de João narra esse amor de Pedro por seu Mestre. Depois da ressurreição de Jesus, Pedro tem una experiencia gratificante. Jesus se interessa por ele e lhe encomenda o cuidado e a animação de sua comunidade: "Apascenta minhas ovelhas". Três vezes lhe pregunta Jesus: "Simão, Filho de João, amas-me?". Às três responde generosamente, incluso quando sua resposta seja modesta e humilde: Senhor, tu conheces tudo, sabes que eu te amo. Jesus lhe confirma: Cuide das minhas ovelhas!
Nossa confissão e compromisso
O Evangelho nos traz uma retrospectiva histórica, mas sobretudo uma perspectiva atual e de futuro onde somos convidados, interpelados a nos envolver em primeira pessoa se queremos sermos fieis a nossa identidade de seguidores de Jesus e ao mandato que o Senhor da Missão nos confia para realizar hoje, o seu Reino. Por isso, a pergunta de Jesus, dirigida ao grupo de seguidores da primeira hora, “e vocês, quem dizem que eu seja” nos atinge diretamente e não podemos pensar que respondida uma vez de crianças ou de adolescentes seja suficiente. A vida e a missão de cristãos adultos mostram que as perguntas, inquietações, desafios, provas que o mundo de hoje nos coloca exigem novos aprofundamentos e testemunhos convincentes, coerência de vida, novos e arriscados compromissos. As perguntas podem ser as mesmas, mas os contextos plurais onde a evangelização acontece, exigem de nós não dormir no ponto! Tem pessoas, já tenho escutado isso várias vezes, que tem a confiança e a intimidade de questionar Deus como Jeremias (Jr 12,1-2), mas não logram se colocar num diálogo sincero e aberto com Deus. Hoje é Jesus, o Cristo, o Filho de Deus, que nos questiona. A nós, comunidade reunida no nome do Senhor, toca nos envolver e dar uma resposta comprometida. Que nos convença a nós, em primeiro lugar. Caso contrário, não conseguiremos convencer o mundo ao qual somos enviados a anunciar a Boa Notícia do Senhor Ressuscitado. Será que nossa palavra pobre, como toda palavra humana, leva o carimbo do Evangelho: “força de Deus para a salvação de todo aquele que acredita”? (Rom 1,16).
Esse é o desafio e a tarefa que nos espera neste mundo globalizado, desafiado por guerras, terror, injustiças, corrupção... Nossa confissão de fé como aquela de Pedro deve ser credível e levar aos homens e mulheres de hoje vida, alegria e esperança. É um serviço que não podemos postergar. “O empenho em anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo, animados pela esperança, mas ao mesmo tempo torturados muitas vezes pelo medo e pela angústia, é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade dos cristãos, bem como a toda a humanidade” (EN 1).
 Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano
justinomarpe@gmail.com
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