sábado, 5 de agosto de 2017

ESTE É O MEU FILHO AMADO: OUVI-O!
Jesus, identidade e seguimento: Mateus 17,1-9.

 Este domingo a liturgia nos apresenta Jesus “transfigurado” numa alta montanha com três de seus discípulos: Pedro, Tiago e seu irmão João. É uma cena bastante conhecida do Evangelho, mas exige mergulhar no seu significado e relevância, pois encerra diversos significados.
 Para mergulhar no texto
Para compreendermos o significado da Transfiguração devemos ler o relato junto com a página precedente (16,13-28): pois é, de fato, o outro lado do mistério de Cristo, a Cruz e a Glória. Geralmente estamos acostumados a ler pequenas unidades da bíblia, mas uma leitura narrativa, seguida do Evangelho ganha muito em profundidade e lucidez quando leva em conta o contexto. Vejamos. Considerando o texto mencionado e o relato da transfiguração temos como um díptico que se ilumina mutuamente. Lendo as duas páginas juntas percebemos o conjunto de temas que mostram pra nós a realidade profunda de Jesus. Assim, aparecem vários personagens, em ordem crescente: a multidão (16,13), os discípulos e entre eles Pedro (16,16), Jesus (16,21), a voz celeste (17,5). Cada um expressa a sua opinião: um profeta, o Filho de Deus vivo, o Filho do Homem que deve sofrer, o Filho amado.
Por outro lado, estamos no coração do Evangelho. Jesus pergunta o que pensa o povo sobre ele, usando a expressão Filho do Homem que nos Evangelhos aparece sempre nos lábios de Jesus e que encerra uma dupla dimensão. Essa expressão aparece no livro de Ezequiel umas noventa vezes. Deus dirige-se ao profeta com esse término e quer dizer simplesmente “você, ser humano”. A segunda fonte dessa expressão a encontramos em Dn 7,13 e tem uma caraterística transcendente, divina. As duas dimensões se escondem e se entrelaçam na fala de Jesus nos evangelhos.

A dura travessia do seguimento de Jesus
Os discípulos falam das várias opiniões e Pedro, em nome de todos, confessa Jesus como Cristo, o Filho de Deus. Em seguida Jesus faz o primeiro anúncio da Paixão, morte e Ressurreição. Pedro, também em nome do grupo, mostra que “não entende” que o “Cristo, o Filho de Deus” deva passar pelo caminho da Cruz. Trás repreender a Pedro, Jesus explicita o “caminho do discípulo e a necessidade de carregar a sua cruz”.

Algo que realmente é central. Toda a atitude do discípulo deve colocar-se em referência a Jesus. Nenhuma renúncia é pedida por si mesma, mas somente por Cristo. A afirmação mais importante está contida no v. 24: «Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e me siga». Os três verbos do v. 24 (renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir) entendem explicar em que consiste ser realmente discípulo. O verbo seguir não é um simples seguir exterior, mas uma adesão profunda do coração. Trata-se de tomar parte do destino histórico de Jesus, uma verdadeira comunhão de vida e de sofrimento com o Mestre, mesmo que com modalidades diferentes, até arriscar a vida por Cristo e pelo Evangelho. Nesse contexto, seis dias depois, Mateus mostra o Cristo – aquele que devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia” - em uma nova dimensão: Transfigurado!

Teatro para crianças: garimpando as pepitas de ouro!
Vamos visualizar a cena completa da Transfiguração, levando em conta os personagens que interagem nesse cenário. Às vezes, quando o assunto é muito complexo, costumo fazer isso: visualizar para meus destinatários os pontos que o texto está focando. Isso vai nos permitir garimpar as pepitas de ouro que o relato encerra.

Comecemos pelos três personagens que Jesus leva consigo:  do grupo de discípulos toma Pedro, Tiago e seu irmão João, os mesmos que irão acompanha-lo pouco antes da paixão (26,37). Dos três, somente Pedro toma a palavra, pois como em outras situações, não pode ficar calado ou tem realmente coisa importante para falar em nome de todos. Lembremos 16,16, onde recebe um grande elogio de parte de Jesus: “Foi o meu Pai do céu que lhe revelou isso!” Outras vezes, como neste caso, Marcos comenta que não sabia o que falava (9,6) e Lucas nota que não sabia o que dizia (9,34), ou quando repreende Jesus e lhe diz: “Tudo bem! Mas Deus não queira que isso aconteça pelo caminho da cruz, por favor!” (16,21-23). Tudo isso reflete a mentalidade dos discípulos e fica muito difícil pra eles entender o anúncio que Jesus acaba de fazer.
Em lugar de destaque aparecem Moisés e Elias junto com Jesus. O texto foca vários elementos que queremos considerar destacando um de cada vez. Moisés e Elias conversam com Jesus. Mateus não diz nada do assunto tratado, mas Lucas frisa exatamente: “Apareceram na glória, e conversavam sobre o êxodo de Jesus, que iria acontecer em Jerusalém” (9,31).  O centro, pois, de toda a conversa é Jesus, mesmo que Mateus não registre palavra alguma. O foco está em Jesus: “E se transfigurou diante deles: o seu rosto brilhou como o sol, e as suas roupas ficaram brancas como a luz” (17,2). O Apocalipse retoma essa imagem rica de sentido, significando glória, ressurreição, alegria triunfante, martírio (1,16; 3.5.18; 4,4; 6,11; 7,9.13-14) e, sobretudo, não esqueçamos as núpcias do Cordeiro (19,6-8).
Moisés e Elias são personagens de destaque, mas a figura central e a mais relevante é Jesus como vamos a ver seguidamente: Somente a ele temos que ouvir! Moisés e Elias aparecem juntos. Moisés aparece em outros lugares do Evangelho de Mateus (8,4; 19,7-8; 22,24;23,2) e também Elias (11,14; 16,14; 17, 10.11.12; 27, 47.49), mas por separado. Agora, é interessante considerar estes dois personagens no seu sentido simbólico, no que representam: a lei e os profetas. Em Mateus, aparecem em 5,17; 7,12; 11,13; 22,40. Em Lucas temos dois textos ao respeito: 16,16 e 24,44, e três nos Atos dos Apóstolos: 13,15; 24,14 e 28,23. Uma vez no Evangelho de João: 1,45, e também uma muito significativa presença na carta aos Romanos: 3,21.
Vejamos a fala de Pedro: “Então Pedro tomou a palavra, e disse a Jesus: «Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias». Pedro descobre que vale a pena ficar para morar lá, mesmo que os três discípulos fiquem ao relento.  Ele pensa somente uma coisa: “vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias”.  A segunda carta de Pedro evoca essa experiência: “falamos porque fomos testemunhas oculares da majestade dele. Pois ele recebeu de Deus Pai a honra e a glória, quando uma voz vinda da sua Glória lhe disse: «Este é o meu Filho amado: nele encontro o meu agrado». Esta voz veio do céu, e nós próprios a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo (2 Pedro 1,16-18).

Mas Deus faz calar a Pedro (17,5), porque “não sabe o que está dizendo”. Nessa cena há uma novidade radical que Pedro não capta: ele vê Moisés, Elias e Jesus ao mesmo nível e com o mesmo significado, por isso “três tendas está bem!”. Pedro é interrompido por a nuvem que vai cobri-los. A voz de Pedro fica silenciada e o que agora deve lembrar ele e também Tiago e João, é a voz que saiu da nuvem, aquela que acompanhou o povo de Israel na caminhada pelo deserto (Ex 40,36-38) e que agora fala de modo definitivo: «Este é o meu Filho amado, que muito me agrada. Escutem o que ele diz».
A voz celeste confirma, como no Batismo (3,17) a realidade profunda de Jesus: “Este é o meu filho amado”. Por tanto, Jesus não é simplesmente o profeta do qual o Deuteronômio falava que devia vir (18,15; 21,11; 21,46). Também não é simplesmente um novo legislador, o novo Moisés. Ele é o Filho amado, aquele que pode dizer com autoridade e com seis exemplos: “Ouvistes que foi dito aos antigos, mas Eu vos digo” (5,20-48), e convida a uma nova relação filial com Deus na esmola, na oração e no jejum (6,1-18). Este Jesus é o Filho de Deus, que pouco antes Pedro tinha confessado e que agora parece ter “esquecido”, querendo igualar Moisés, Elias e Jesus. Deus apresenta e confirma Jesus na sua identidade e na sua missão de revelador do Pai: Ouvi-o! (11,25-27), como o único Mestre (23,8-10) no qual todos somos irmanados no seguimento e em saída profética nas periferias do mundo!
Quando ouviram isso, os discípulos ficaram muito assustados, e caíram com o rosto por terra.  Jesus se aproximou, tocou neles e disse: «Levantem-se, e não tenham medo».  Cabe destacar esta atitude de Jesus: “aproximou-se”. O Evangelho de Mateus registra esta atitude de Jesus umas 52 vezes. Esta proximidade de Jesus caracteriza toda a sua prática para com os pequenos, os enfermos e os últimos com os quais se identifica (25, 40.45). E conclui aqui, como em outras ocasiões, com uma palavra de coragem: «Levantem-se, e não tenham medo» (17,7; 10, 26.28.31; 14,27; 28, 5.10). O relato conclui aparentemente com uma frase corriqueira e sem relevo: “Os discípulos ergueram os olhos, e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus”. Mas o significado é relevante: agora, O Mestre, o único é Jesus e a ele devem “ouvir”. OUVIR é uma qualidade central do discipulado (Is 50,4-5; Lc 8,11-15.21; 10,39; 11,28), ontem e hoje, sendo contemplativos da Palavra e também contemplativos do povo” (EG 154), tornando-nos capazes “de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, e de chorarmos à vista do drama dos outros” (EG 54).
Em poucas palavras: Na cena da transfiguração, temos uma confrontação entre a manifestação de Deus ao longo do Antigo Testamento e o caminho novo e vivo da revelação mostrado por Jesus (Hb 10,20). Por meio de Moisés e dos profetas, Deus falou muitas vezes aos nossos pais, nesta etapa final da história nos falou por meio do Filho, comenta e sintetiza a carta aos Hebreus (1,1). Isso faz a diferença! Por isso, corramos com perseverança, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus (Hb 12,1). Oxalá ouçamos hoje a sua Voz (Salmo 95; Dt 6,4-6; Mt 17,5; Jo 10,4), e busquemos o seu Rosto! (Salmo 27,8; Mt 17,2; 25,37-45).
Justino Martínez Pérez – Missionário Comboniano
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